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Gnosticismo na Bíblia. Significado e Versículos sobre Gnosticismo

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Em grego significa conhecimento. Movimento filosófico-teológico que considera o conhecimento como decisivo para a salvação. Nasce antes do cristianismo com elementos de diversas culturas antigas. Adquire força no mundo judeu e heleno desde o século I a.

C. E se prolonga, também com elementos cristãos, até o século IV d. C. É dualista; o espírito deve ser libertado do cárcere da matéria por meio do conhecimento em etapas sucessivas. Posteriormente várias seitas heréticas, como os docetas e os valentinianos, embora divergentes entre si, professaram idéias gnósticas, que incluíam uma visão negativa da criação, negação da encarnação, da morte e da ressurreição de Cristo, substituição dos sacramentos por ritos gnósticos mágicos, mudança do cânon das Escrituras etc.

Gnosticismo – Enciclopédia Internacional da Bíblia Padrão

Gnosticismo

I. DEFINIÇÃO GERAL

II. FONTES DO GNOSTICISMO

1. Filosofia Alexandrina

2. Zoroastrismo

III. NATUREZA DO GNOSTICISMO

Pontos Principais

IV. GNOSTICISMO NA IGREJA CRISTÃ

1. Colossenses

2. 1 Coríntios:

“Conhecimento” em Corinto

3. Epístolas Pastorais

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4. 1 João

(1) Reivindicações Gnósticas

(2) Sua Natureza Sem Amor

(3) Docetismo

(4) O Anticristo

(5) Seu Lado Antinomiano

5. “Conhecer as Profundezas,” Apocalipse

V. A ANTÍTESE CRISTÃ

1. Deus e o Mundo

Como o Mundo se Originou?

2. Mal

(1) Doutrina Cristã do Pecado

(2) Pecado e a Lei Moral

3. Cristo e a Redenção

4. Ascetismo e Antinomianismo

VI. VISÃO DE HARNACK SOBRE O GNOSTICISMO

VII. INFLUÊNCIA E DESENVOLVIMENTO DO GNOSTICISMO

1. Não uma Heresia das Classes Inferiores

2. Cerinto:

Seus Ensinamentos

3. O Evangelho de João

4. Várias Seitas

(1) Os Ofitas

(2) Valentim

(3) Basílides

(4) Saturnino

(5) Marcião

5. Relação com o Antigo Testamento

6. As Verdades Cristãs

7. Influência na Teologia

8. Verdade Subjacente ao Docetismo

VIII. GNOSTICISMO MODERNO

LITERATURA

Gnosticismo–exceto talvez em 1 Timóteo 6.20, onde Paulo adverte Timóteo contra “a gnose, que falsamente assim se chama”–não é diretamente aludido no Novo Testamento. No entanto, seu fermento estava realmente atuando, como será visto imediatamente, e constituía um perigo muito sério na igreja apostólica. “Aquele estranho movimento obscuro, parcialmente intelectual, parcialmente fanático…

no século 2 se espalhou com a rapidez de uma epidemia sobre a igreja da Síria à Gália” (Law, The Tests of Life – 1 Timóteo 26). Portanto, é de grande importância obter uma concepção correta da natureza dessa potente influência anticristã.

Isso não é fácil. A dificuldade em lidar com o Gnosticismo é que ele não era um sistema homogêneo de religião ou filosofia, mas abrangia muitas seitas amplamente diversificadas que sustentavam opiniões extraídas de uma grande variedade de fontes. “As formas infinitamente variadas assumidas pelos sistemas tornam quase impossível classificá-los, ou mesmo dar uma conta de suas ideias principais, que não esteja sujeita a objeções.

Poderíamos também tentar classificar os produtos de uma selva tropical, ou as formas e cores das nuvens do pôr do sol, que mudam sob nossa vista enquanto as observamos” (Orr, The Progress of Dogma – 1 Timóteo 58).

I. Definição Geral.

Sobre a definição geral do Gnosticismo, algumas autoridades podem ser citadas. “Gnosticismo,” diz Dr. Gwatkin, “pode ser provisoriamente descrito como um número de escolas de filosofia, oriental em caráter geral, mas incorporando a ideia de uma redenção através de Cristo, e ainda mais modificada em diferentes seitas por um terceiro elemento, que pode ser judaísmo, helenismo ou cristianismo…

os gnósticos adotaram apenas a ideia de uma redenção através de Cristo, não a doutrina cristã completa, pois fizeram dela uma redenção dos filósofos da matéria, em vez de uma redenção da humanidade do pecado” (Early Church History to AD 313, II – 1 Timóteo 20).

Dr. Orr escreve: “O Gnosticismo pode ser descrito geralmente como o produto fantástico da mistura de certas ideias cristãs–particularmente a da redenção através de Cristo–com especulações e imaginações derivadas de uma miscelânea de fontes (gregas, judaicas, persas; filosofias; religiões, teosofias, mistérios) em um período em que a mente humana estava em uma espécie de fermentação, e quando opiniões de todos os tipos estavam misturadas em uma confusão inimaginável.

Envolve, como o nome denota, uma reivindicação de `conhecimento’, conhecimento de um tipo do qual o crente comum era incapaz, e na posse do qual consistia a `salvação’ no sentido pleno. Esse conhecimento de que o gnóstico se gabava, relacionava-se aos assuntos normalmente tratados na filosofia religiosa; o Gnosticismo era uma espécie de filosofia religiosa” (The Early Church – 1 Timóteo 71).

Neander descreveu o Gnosticismo como “a primeira tentativa notável de introduzir no Cristianismo os elementos existentes da cultura mental, e torná-lo mais completo no lado até então bastante negligenciado do conhecimento teórico; foi uma tentativa da mente do mundo antigo em seu anseio por conhecimento, e em sua insatisfação com o presente, de trazer para dentro de seu alcance e apropriar-se dos tesouros desse tipo que o cristianismo apresentava” (Antignostikus, Intro – 1 Timóteo 199).

O Gnosticismo, portanto, compreende em si muitas tendências previamente existentes; é um amálgama no qual vários elementos diferentes foram fundidos. Um sistema herético de pensamento, ao mesmo tempo sutil, especulativo e elaborado, tentou introduzir no Cristianismo um chamado conhecimento superior, que estava fundamentado parcialmente no credo filosófico no qual gregos e romanos haviam se refugiado devido à decadência gradual e desintegração de suas próprias religiões, parcialmente, como será mostrado, nas filosofias de Platão e de Filo, e ainda mais nas filosofias, teosofias e religiões do Oriente, especialmente as da Pérsia e da Índia.

“Por muito tempo as crenças pagãs deixaram de ser levadas a sério por homens pensantes e foram substituídas por vários credos derivados da especulação filosófica. Estes, em si mesmos, eram abstratos e insatisfatórios, mas haviam sido parcialmente vitalizados pela união com as teosofias do Oriente.

Uma tentativa foi feita por parte desta religião filosófica de efetuar uma aliança com o Cristianismo. Uma seção da igreja estava insatisfeita com a simplicidade do evangelho, e procurou avançar para algo mais elevado adotando as especulações correntes…

Os últimos livros do Novo Testamento estão todos ocupados, mais ou menos, com este movimento, que era mais perigoso à medida que ameaçava a igreja de dentro” (Professor E. Scott, The Apologetic of the New Testament – 1 Timóteo 14).

O Gnosticismo, embora geralmente considerado uma heresia, não era realmente tal:

não era a perversão da verdade cristã; veio, antes, de fora. Tendo trabalhado seu caminho para dentro da igreja cristã, então tornou-se herético. “Embora tenha se tornado uma influência corruptora dentro da igreja, era um alienígena por nascimento.

Enquanto a igreja ainda permanecia dentro do âmbito do judaísmo, gozava de imunidade contra essa praga; mas assim que rompeu esses limites estreitos, encontrou-se em um mundo onde as religiões e filosofias decadentes do Ocidente estavam em fermentação aguda sob a influência de um novo e poderoso fermento do Oriente; enquanto a infusão do próprio Cristianismo nessa massa fermentante apenas acrescentou à multiplicidade desconcertante de seitas e sistemas gnósticos que trouxe à tona” (Law, The Tests of Life – 1 Timóteo 26).

II. Fontes do Gnosticismo.

Mansel (em sua obra sobre As Heresias Gnósticas – 1 Timóteo 32) resume as principais fontes do Gnosticismo nestas três, Platonismo, a religião persa e o Budismo da Índia. Ao Platonismo deve muito de sua forma e tendências filosóficas.

Do Dualismo da religião persa derivou suas especulações sobre a origem do mal, e muito do que ensinava sobre emanações. Ao Budismo, ele pensa, deve a doutrina da antagonismo entre matéria e espírito, e a irrealidade da existência derivada–o germe do Docetismo.

Mansel também sustenta que há a possibilidade de que o Gnosticismo tenha derivado certas de suas características da Kabbala (qabbalah), ou ensino secreto dos judeus nos dois livros, o Cepher yetsirah, ou Livro da Criação, e o Zohar, ou Livro da Luz.

No entanto, uma influência do Budismo no Gnosticismo pode ser seguramente duvidada, pois não há razão para acreditar que o conhecimento da doutrina budista tenha penetrado tão cedo no Ocidente. As obras judaicas mencionadas por Mansel são realmente produtos da Idade Média (Westcott, Introduction to the Study of the Gospels – 1 Timóteo 144.45).

As outras fontes mencionadas foram realmente influentes. Notamos duas–a filosofia alexandrina e o dualismo parsico.

1. Filosofia Alexandrina:

A filosofia alexandrina tentou unir a filosofia grega e a religião hebraica. Filo, o grande comentarista judeu de Alexandria, tentou interpretar as antigas Escrituras judaicas com a ajuda da filosofia grega, expor o Antigo Testamento em termos do pensamento de Platão e descobrir significados alegóricos onde nenhum era pretendido.

No ensino de Filo há uma linha nítida traçada entre Deus e o mundo material:

com ele, Deus não pode exercer qualquer ação sobre o mundo da matéria, exceto através de agência intermediária, os anjos judeus e os demônios pagãos. Filo tem muito a dizer a respeito do Logos. Suas declarações sobre este assunto podem ser comparadas com o que é dito sobre os atributos da “Sabedoria” no capítulo 8 do Livro de Provérbios, e também com o Logos ou “Verbo” do Evangelho de João.

Para Filo, o Logos é o poder de Deus, ou a razão divina dotada de energia, e abrangendo dentro de si todos os poderes subordinados. O Logos é impessoal em suas relações com Deus; e aqui está uma grande diferença entre a concepção de Filo e a do evangelho.

Filo ensina que o Logos é o único primogênito de Deus, o chefe dos anjos, o vice-rei de Deus e representante do homem.

De acordo com Filo, a criação do universo foi uma moldagem gradual da matéria; daí surge o mal. Ele também ensina a preexistência da alma, que agora está aprisionada na carne. O homem sábio, portanto, quebrará a escravidão da carne e se elevará por uma espécie de êxtase à visão imediata de Deus.

Ver-se-á quanto desse ensino foi assimilado pelas várias seitas gnósticas.

2. Zoroastrismo:

O sistema zoroastriano ou persa baseava-se na suposição de que existiam dois poderes originais e independentes de bem e mal, de luz e trevas, Ormuzd (Ahura-Mazda), o senhor sábio, e Ahriman (Angra-Mainyu), o espírito maligno.

Esses poderes eram considerados iguais, e cada um supremo em seu próprio domínio. A terra, que foi criada por Ormuzd, tornou-se o campo de batalha dos dois poderes. Ahriman desviou o primeiro homem e mulher de sua lealdade a Ormuzd, e assim todos os males resultam para a humanidade.

“No dualismo oriental (persa),” diz o Professor Bousset, “é dentro deste mundo material que os poderes do bem e do mal estão em guerra, e este mundo abaixo das estrelas não é de modo algum concebido como inteiramente sujeito ao mal.

O Gnosticismo combinou os dois, a oposição grega entre espírito e matéria, e o dualismo zoroastriano acentuado, que, onde a mente grega concebia um mundo superior e um inferior, via em vez disso dois mundos hostis em contraste um com o outro como luz e trevas.

E da combinação desses dois dualismos surgiu o ensino do Gnosticismo com seu pessimismo radical e seu ascetismo fundamental” (“Gnosticism,” in Encyclopedia Brit – 1 Timóteo 11th edition, XII – 1 Timóteo 154).

III. Natureza do Gnosticismo.

“Gnosticismo,” diz Dr. Gwatkin, “é o Cristianismo pervertido pelo aprendizado e especulação” (Early Church History 73). O orgulho intelectual dos gnósticos refinou o evangelho em uma filosofia. A pista para a compreensão do Gnosticismo é dada na palavra da qual deriva–gnosis, “conhecimento.” O Gnosticismo coloca o conhecimento no lugar que só pode ser corretamente ocupado pela fé cristã.

Para o gnóstico, a grande questão não era a intensamente prática, “O que devo fazer para ser salvo do pecado?” mas “Qual é a origem do mal?” “Como a ordem primitiva do universo pode ser restaurada?” No conhecimento dessas e de questões semelhantes, e nas respostas dadas a essas perguntas, havia redenção, como o gnóstico a entendia.

“Essas pequenas seitas e grupos gnósticos viviam todos na convicção de que possuíam um conhecimento secreto e misterioso, de forma alguma acessível aos de fora, que não deveria ser provado ou propagado, mas acreditado pelos iniciados, e ansiosamente guardado como um segredo.

Esse conhecimento deles não era baseado em reflexão ou investigação científica e prova, mas em revelação. Era derivado diretamente dos tempos do Cristianismo primitivo, do próprio Salvador e de seus discípulos e amigos, com os quais afirmavam estar conectados por uma tradição secreta, ou então de profetas posteriores, dos quais muitas seitas se vangloriavam.

Estava estabelecido em escritos místicos maravilhosos, que estavam na posse dos vários círculos.

“Em suma, o Gnosticismo em todas as suas várias seções, sua forma e seu caráter, cai sob a categoria das religiões místicas, que eram tão características da vida religiosa da antiguidade decadente. No Gnosticismo, como nas outras religiões místicas, encontramos o mesmo contraste entre os iniciados e os não-iniciados, a mesma organização frouxa, o mesmo tipo de sectarismo mesquinho e mistério.

Todos igualmente se gabam de uma revelação mística e de uma sabedoria profundamente velada” (Bousset, op. cit. – 1 Timóteo 153).

Pontos Principais no Gnosticismo:

As questões, portanto, com as quais o Gnosticismo se preocupava eram aquelas da relação do finito e do infinito, a origem do mundo e do mal, a causa, significado, propósito e destino de todas as coisas, a razão da diferença nas capacidades e na sorte na vida dos indivíduos, o método de salvação.

Os seguintes podem ser considerados os pontos principais nas características dos sistemas gnósticos:

(1). Uma reivindicação por parte dos iniciados a um conhecimento especial da verdade, uma tendência a considerar o conhecimento como superior à fé, e como a posse especial dos mais iluminados, pois os cristãos comuns não possuíam essa doutrina secreta e superior.

(2) A separação essencial da matéria e do espírito, sendo o primeiro desses essencialmente mau, e a fonte de onde todo mal surgiu.

(3) Uma tentativa de solução dos problemas da criação e da origem do mal pela concepção de um Demiurgo, ou seja, um Criador ou Artífice do mundo distinto da Divindade Suprema, e também por meio de emanações estendendo-se entre Deus e o universo visível.

Deve-se observar que essa concepção apenas ocultava as dificuldades do problema, e não as resolvia.

(4) Uma negação da verdadeira humanidade de Cristo, uma cristologia docética, (que considerava a vida terrena de Cristo e especialmente seus sofrimentos na cruz como irreais.

(5) A negação da personalidade do Deus Supremo, e a negação também do livre arbítrio do homem.

(6) O ensino, por um lado, do ascetismo como meio de alcançar a comunhão espiritual com Deus, e, por outro lado, de uma indiferença que levava diretamente à licenciosidade.

(7) Uma tendência sincrética que combinava certos elementos cristãos mais ou menos mal compreendidos, vários elementos de fontes orientais e judaicas e outras.

(8) As Escrituras do Antigo Testamento eram atribuídas ao Demiurgo ou Criador inferior do mundo, que era o Deus dos judeus, mas não o verdadeiro Deus. Algumas dessas ideias características são mais óbvias em um, e algumas delas em outros dos sistemas gnósticos.

A relação dessas ideias com fatos e doutrinas cristãs é tratada mais particularmente abaixo.

IV. Gnosticismo na Igreja Cristã.

No Novo Testamento e na Era Apostólica.

O germe do Gnosticismo na igreja cristã apareceu na era apostólica, e é referido por Paulo em várias de suas epístolas, notadamente na dirigida aos Colossenses e nas Epístolas Pastorais. Também é referido pelos apóstolos Pedro e Judas; referências a ele são encontradas, além disso, no Apocalipse, na Primeira Epístola de João

“Na linguagem de Judas, assim como na de Pedro, que ele imita de perto, podemos claramente discernir uma referência à seita gnóstica dos nicolaítas mencionada pelo nome em Apocalipse. A comparação em todas essas passagens, do erro condenado com o de Balaão, é decisiva quanto à identidade das pessoas pretendidas.

As outras características notadas por Pedro também são repetidas por Judas–sua negação do Senhor, suas vidas dissolutas, seu desprezo pelo governo e maledicência das dignidades e das coisas que não conhecem, sua poluição das festas de caridade, suas grandes palavras infladas.

O antinomianismo, não menos do que o lado ascético do gnosticismo, parece ter-se manifestado plenamente” (Mansel, As Heresias Gnósticas – 1 Timóteo 71).

V. A Antítese Cristã.

Os principais pontos de contraste entre o gnosticismo e o ensino cristão em relação às doutrinas principais agora serão aparentes e podem ser resumidos brevemente.

1. Deus e o Mundo:

De acordo com os gnósticos, Deus é pensado como o Ser último, sem nome, incognoscível, de quem falam como o “Abismo”. Ele é perfeito, mas o mundo material é alheio à natureza divina. Como então ele existe?

Qual é a fonte de suas imperfeições e males?

Como o Mundo Se Originou?

A resposta gnóstica é que o pleroma ou plenitude da Divindade só poderia fluir de outra forma senão em emanações ou eons ou anjos, todos necessariamente imperfeitos, sendo o mais alto dessas emanações ou eons ou anjos mais espiritual do que o grau imediatamente abaixo dele.

Desses eons há uma gradação tão numerosa que, por fim, o mais baixo deles é quase totalmente corpóreo, tendo o elemento espiritual sido gradualmente diminuído ou eliminado, até que finalmente se chega ao mundo do homem e da matéria, a morada do mal.

Dessa forma, a lacuna é preenchida entre Deus e o mundo da humanidade. Os eons mais altos se aproximam muito da natureza divina, tão espirituais são eles e quase livres de matéria. Esses formam a hierarquia mais alta dos anjos, e esses, assim como muitos outros graus do exército angélico, devem ser adorados.

Em oposição a essa visão, a fé cristã adora Deus como o Criador livre e autossuficiente, infinitamente bom, sábio, poderoso e santo, o Autor de todas as coisas, e afirma a criação como um fato incompreensível revelado pela fé, e que supera a compreensão. “Pela fé entendemos que os mundos foram formados pela palavra de Deus, de modo que o que se vê não foi feito do que é aparente” (Hebreus 11.3).

2. Mal:

A doutrina do mal segue diretamente da explicação acima da relação de Deus com o mundo. Segundo o gnosticismo, a manifestação de Deus é possível apenas através da auto-limitação de Sua parte, pois em Sua essência Deus é o Abismo insondável.

Através dessa auto-limitação divina são evoluídos, primeiro, os poderes ou atributos divinos, que anteriormente estavam ocultos no Abismo de Seu ser. Esses poderes divinos (o pleroma) tornam-se os princípios de todos os desenvolvimentos futuros da vida.

A vida continua a ser desdobrada de tal maneira que seus graus sucessivos afundam cada vez mais longe da pureza de Deus, a vida é mais fraca quanto mais se aproxima da matéria, com a qual, finalmente, se funde.

Tal, segundo o gnosticismo, é a origem do mal.

Sempre que os homens não estão contentes em reconhecer o mal como o ato de sua própria vontade livre, que escolheu abandonar sua dependência absoluta de Deus; sempre que vão além disso e procuram outra origem para o mal, então um de dois resultados segue.

Eles ou limitam a santidade de Deus e encontram a causa do mal no próprio Deus, assim aniquilando toda distinção entre bem e mal–que é o panteísmo; ou limitam o poder de Deus ao conceder a existência de um poder maligno eterno além do controle de Deus–que é o dualismo.

Ao evitar o panteísmo, o gnosticismo aceitou a solução dualista, atribuindo ao mal uma natureza eterna auto-subsistente, o que é torná-lo absoluto como o próprio Deus é. Como a auto-subsistência absoluta só pode ser afirmada de Deus, o mal eternamente auto-subsistente do dualismo deve ser Deus, o que não pode ser, porque não é bom.

Aqui está a autocontradição sobre a qual o gnosticismo naufragou.

(1) A Doutrina Cristã do Pecado.

Contrariamente a isso, está a doutrina cristã, segundo a qual o mal é a recusa da vontade da criatura de depender absolutamente e completamente de Deus, de Seu cuidado, amor e graça sustentadora. O pecado é aquilo que não deveria existir; não tem direito de existir; é desafio a Deus; é transgressão moral; sua magnitude não pode ser exagerada.

Se pudesse, destronaria Deus. Desafiou Sua justiça, sabedoria, santidade e até mesmo Sua graça. Portanto, o pecado é tratado por Deus de duas maneiras, ou por punição direta ou por redenção, na qual se faz provisão para sua remoção sendo suportado pelo Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.

A ideia gnóstica da origem do mal segue imediatamente de, e está inseparavelmente envolvida em, sua interpretação dualista da natureza. A questão “O que é pecado?” não é mera discussão acadêmica ou filosófica, na qual uma opinião pode ser tão boa quanto outra. “Tudo no cristianismo está conectado mais ou menos diretamente com os grandes fatos do Pecado e da Redenção; e o plano da Redenção, que é a essência do cristianismo, não pode ser corretamente entendido até que a doutrina do Pecado seja adequadamente reconhecida e estabelecida.

Aqui, certamente, se em algum lugar, a teologia cristã deve lutar pro aris et focis” (Julius Muller, citado no livro Sin as a Problem of Today – Hebreus 6).

(2) Pecado e a Lei Moral.

A universalidade do pecado, sua persistência, sua gravidade, seu poder de destruir e depravar–esses são fatos que dificilmente podem ser exagerados. Para ver o pecado corretamente, é impossível deixar de lado sua relação com a lei moral, com Deus e com Seu reino.

O pecado é a transgressão da lei moral; é também transgressão contra um Deus santo, cujo caráter e vontade a lei moral reflete. “O pecado é transgressão contra Deus, a substituição da vontade da criatura pela vontade do Criador; revolta da vontade da criatura contra Deus” (Sin as a Problem of Today – 1 Timóteo 7). É a resolução da vontade de tornar-se independente de Deus e renunciar à Sua autoridade.

O pecado é auto-vontade, falsa independência, liberdade que termina em escravidão e miséria.

Mas no gnosticismo o pecado é algo completamente diferente; não é o ato e a disposição da vontade humana em rebelião contra Deus; é apenas um fato físico ou qualidade inerente ao corpo e à matéria em geral.

A redenção, portanto, não consiste na obra de Cristo por nós na cruz e na aplicação dos benefícios dessa obra pelo Espírito Santo de Deus na renovação da natureza moral do homem. A redenção é simplesmente o esforço de cada homem para garantir a emancipação da carne–do mal físico.

3. Cristo e a Redenção:

É fácil ver que um sistema desse tipo não precisava de Cristo e não deixava espaço para a redenção no sentido cristão do termo. A redenção nesse esquema de pensamento não é libertação do pecado, não é remoção da culpa e renovação da mente. É algo completamente diferente e consiste na restauração da ordem cósmica e na iluminação da mente dos poucos escolhidos através do conhecimento.

Cristo não é o Salvador que salva Seu povo de seus pecados e que lhes dá incessantemente, através da união consigo mesmo, libertação do poder do pecado. Ele é apenas um dos eons, o mais alto deles. Ele é um ser originado, e não Deus.

Assim, não há lugar no gnosticismo nem para a criação do universo por Deus, nem para a encarnação e obra de Cristo. Uma vez que se concede que a matéria é essencialmente má, exclui-se a possibilidade de Cristo ter assumido uma verdadeira natureza humana, simplesmente por uma razão: o mundo e a natureza humana são originalmente e necessariamente maus.

Assim, como já visto, somos levados ao docetismo.

A cristologia dos gnósticos, portanto, assumiu um de dois tipos. “Uma classe de primeiros gnósticos separou o ser espiritual Cristo do homem Jesus; supuseram que o Cristo entrou em Jesus no momento de Seu batismo e deixou-O no momento de Sua crucificação.

Assim, o Cristo não nasceu como homem nem sofreu como homem. Dessa forma, obviaram a dificuldade, insuperável para a mente gnóstica, de conceber a conexão entre a mais alta agência espiritual e a matéria corpórea grosseira, que estava envolvida na doutrina católica da Encarnação e Paixão, e que os gnósticos de outro tipo mais efetivamente eliminaram pela doutrina do docetismo, isto é, assumindo que o corpo humano de nosso Senhor era apenas um corpo fantasma, e não carne e sangue reais.

Irineu representa a primeira classe como ensinando que `Jesus era o receptáculo do Cristo,’ e que o Cristo `desceu sobre Ele do céu em forma de pomba, e depois de ter declarado à humanidade o Pai sem nome, entrou novamente no pleroma imperceptivelmente e invisivelmente.’ Aqui nenhum nome é dado.

Mas em outra passagem ele atribui precisamente a mesma doutrina, sem, no entanto, nomear o pleroma, a Cerinto” (Lightfoot, Col – Hebreus 264). Quão vigorosamente essa doutrina foi combatida nos círculos apostólicos já foi mostrado ao falar da Primeira Epístola de João.

4. Ascetismo e Antinomianismo:

A consequência necessária da teoria gnóstica em uma moralidade ascética que passou por passos seguros para a licença antinomiana também foi ilustrada amplamente no exposto, e não precisa ser ampliada.

Tudo tem sua raiz em um falso intelectualismo, ao qual o evangelho, em sua inculcação de humildade, fé e dependência do Espírito de Deus para orientação na verdade, é, em seu princípio mais íntimo, oposto.

VI. A Visão de Harnack sobre o Gnosticismo.

A visão de Harnack sobre o gnosticismo difere da agora apresentada ao colocar a ênfase principal em seu lado judeo-helenístico. Ele descreve bem como, quando o cristianismo apareceu, uma extensa espiritualização ou alegorização do Antigo Testamento já havia ocorrido. “Essa espiritualização foi o resultado de uma visão filosófica da religião, e essa visão filosófica foi o resultado de uma influência duradoura da filosofia grega e do espírito grego em geral sobre o judaísmo.

Em consequência dessa visão, todos os fatos e ditos do Antigo Testamento nos quais alguém não conseguia se orientar, eram alegorizados. Nada era o que parecia, mas apenas o símbolo de algo invisível. A história do Antigo Testamento aqui foi sublimada para uma história da emancipação da razão da paixão” (História do Dogma, I – Hebreus 223).

Essa interpretação alegórica revelou à mente madura uma riqueza de relações, de dicas e de intuições do Antigo Testamento, que para o não iniciado era apenas um registro seco de fatos. Essa visão do Antigo Testamento deu aos seus leitores um interesse estranho, que procedeu a transferir suas antigas esperanças judaicas para o mundo da filosofia grega, e transformou o resultado em uma metafísica.

Quando esses pensadores entraram na igreja cristã, esperanças e termos cristãos foram adicionados ao composto já existente judaico-grego-alexandrino, e tal era o gnosticismo. Representava a secularização aguda ou helenização do cristianismo.

Os gnósticos “são, portanto, aqueles cristãos que, em um avanço rápido, tentaram capturar o cristianismo para a cultura helênica e a cultura helênica para o cristianismo, e que abandonaram o Antigo Testamento para facilitar a conclusão da aliança entre os dois poderes e tornar possível afirmar a absolutidade do cristianismo” (p. 227).

Harnack, de fato, concede que havia outros elementos no gnosticismo, mas ele afirma fortemente que o elemento grego era o predominante. Nisso ele parece estar em erro. Colocando a ênfase principal no helenismo, ele não dá o devido e preponderante lugar ao dualismo oriental.

Como já visto, uma teosofia dualista oriental é o principal elemento no gnosticismo. Essa fonte oriental também é reconhecida por Harnack, mas apenas como se fosse subsidiária ao helenismo. Como ele considera, “o gnosticismo foi uma helenização aguda do cristianismo” (p. 230).

Em relação às doutrinas filosóficas fundamentais do gnosticismo, a natureza indefinível do Ser primordial divino, a pecaminosidade da matéria, a plenitude de Deus em eons, o Demiurgo, etc., Harnack concorda geralmente com outros escritores e acrescenta, “Todas essas são ideias para as quais encontramos o caminho preparado na filosofia da época, antecipadas por Filo e representadas no neoplatonismo como o grande resultado final da filosofia grega” (p. 233).

VII. Influência e Desenvolvimento do Gnosticismo.

O gnosticismo é peculiarmente a heresia do século II e, em si, uma prova da extensão a que o conhecimento da fé cristã havia, naquele período inicial, penetrado nos círculos literários e filosóficos. Embora seja verdade que o cristianismo inicialmente influenciou principalmente as classes mais humildes, não foi entre essas pessoas que surgiram as várias heresias gnósticas.

1. Não Uma Heresia das Classes Mais Humildes:

O gnosticismo “foi um produto que não surgiu espontaneamente nas mentes dos mecânicos e escravos e mulheres e crianças, que a maioria, como Celso, supõe ter formado a maior parte das comunidades cristãs, mas só poderia ter surgido em mentes de um caráter mais culto e especulativo.

Esta, de fato, era sua reivindicação–ser uma religião de gnose (conhecimento), para os mais altamente treinados ou elite. Só poderia existir, portanto, como resultado de uma fermentação cristã que havia entrado nesses círculos especulativos e estava lá trabalhando poderosamente.

Baur aprecia corretamente a situação, quando diz:

`O gnosticismo dá a prova mais clara de que o cristianismo havia se tornado um dos fatores mais importantes na história da época, e mostra especialmente quão poderoso era o poder de atração dos novos princípios cristãos para a vida intelectual mais elevada então encontrada tanto no mundo pagão quanto no judaico.’ Acima de tudo, esses sistemas são um testemunho impressionante da impressão produzida na mente pagã pela grande ideia cristã de redenção. `Quando os sistemas gnósticos,’ diz Neander, `descrevem o movimento que foi produzido no reino do Demiurgo pela aparição de Cristo como a manifestação de um novo e poderoso princípio que havia entrado nos domínios deste mundo inferior, eles nos dão a entender quão poderosa foi a impressão que a contemplação da vida de Cristo e sua influência na humanidade deixou nas mentes dos fundadores desses sistemas, fazendo todas as instituições anteriores parecerem nada em comparação com o cristianismo.’ Devemos, portanto, tomar cuidado para não subestimar nem a extensão nem a intensidade dessa grande fermentação intelectual provocada pelo evangelho no coração do paganismo” (Orr, Neglected Factors, etc. – Hebreus 196).

2. Cerinto:

Seu Ensino:

O mais antigo dos gnósticos conhecidos por nome é Cerinto, o antagonista do apóstolo João. Parece estar além de qualquer dúvida razoável que esses dois se encontraram em Éfeso. Irineu relata, com base na autoridade daqueles que ouviram a história de Policarpo, como o apóstolo e Cerinto se encontraram nos banhos públicos daquela cidade.

Quando João descobriu que Cerinto estava no mesmo edifício que ele, saiu imediatamente, exclamando que não podia permanecer enquanto Cerinto, o inimigo de Deus e do homem, estivesse lá. Pelos relatos que foram preservados de Cerinto e de seu ensino, pode-se deduzir que ele ensinava que o mundo não foi criado pelo Deus Supremo, mas por um poder inferior, e que ele também ensinava uma teoria docética da Encarnação.

Caio de Roma, discípulo de Irineu, registra que Cerinto sustentava que haveria um milênio de sensualidade desenfreada. Dionísio de Alexandria (cerca de 260 d.C.) mais do que confirma isso. “Assim, na medida em que vão, os dados históricos harmonizam-se com a evidência interna da Epístola (de João) em si, dando a impressão de que as diferentes tendências que combate são tais que naturalmente se combinavam em um sistema gnóstico consistentemente desenvolvido, e que o objeto de sua polêmica é, em todo o tempo, um e o mesmo” (The Tests of Life – Hebreus 37).

Quanto ao Evangelho de João, há o testemunho de Irineu de que foi escrito para se opor àquela forma de gnosticismo que era ensinada por Cerinto e, antes dele, pelos nicolaítas. A natureza dessa heresia pode ser declarada nas palavras do próprio Irineu:

“Um certo Cerinto,” ele diz, “na Ásia, ensinou que o mundo não foi feito pelo Deus Supremo, mas por algum poder totalmente separado e distinto daquele Poder Soberano que está sobre o universo, e que desconhecia o Deus que está sobre todas as coisas.

Ensinou, além disso, que Jesus não nasceu de uma virgem (pois isso lhe parecia impossível), mas era filho de

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